O ato de aprender é extremamente natural para o ser humano. Ao longo de toda a vida, nossas estruturas físicas se adaptam à medida que passamos por toda sorte de experiências. Nossos cérebros se modificam e abrem espaço para que cada novo aprendizado tome forma e, com isso, novas habilidades são continuamente desenvolvidas ou aprimoradas. E isso não ocorre apenas na infância ou na adolescência: trata-se de uma capacidade estrutural do ser humano, que o acompanha por toda a vida.
“(...) O conceito de aprendizagem ao longo da vida (lifelong learning) (...) representa uma forma integrada de se perceber o aprendizado por entre as diferentes fases do nosso desenvolvimento. Desde a década de 1970, essa expressão vem sendo utilizada especialmente para alertar quanto à urgência de se continuar aprendendo sempre, e não apenas no período de vida em que estamos em alguma etapa da educação formal.”
Essa definição foi dada por Alex Bretas, especialista em lifelong learning e aprendizagem autodirigida. Alex é co-autor do livro “Core Skills: 10 habilidades essenciais para um mundo em transformação” e já ministrou várias palestras sobre o tema tanto no Brasil quanto no exterior.
Alex é o nosso entrevistado principal neste artigo, que busca trazer a visão dele a respeito dessa que é uma das pautas mais relevantes tanto para a vida profissional quanto para a vida pessoal de todos os trabalhadores que vivem em tempos contemporâneos. Pensar em como utilizar, de forma saudável, nossa capacidade inata de aprender para nos mantermos competitivos e realizados em tempos tão dinâmicos como os atuais é essencial para a construção de uma carreira promissora. Vamos lá?
Afinal, por que pensar em lifelong learning? Segundo Alex, “o ser humano aprende porque deseja realizar. Nosso corpo nos dotou não somente de estruturas que mudam o tempo inteiro em consonância com o meio, mas também das capacidades de refletir, intencionar e projetar a partir dessas mudanças. Ao materializar esses três verbos — refletir, intencionar e projetar —, a aprendizagem tipicamente humana acontece”.
Para ele, a aprendizagem autodirigida é peça-chave nesse processo. É por meio dela que conseguimos nos apropriar de forma autônoma do percurso educacional, o que nos permite usar a criatividade, exercer a curiosidade sobre o aprender, alimentar e dar vazão a sonhos, entre outros.
Segundo Alex, a necessidade dessa forma de aprendizagem deve-se, principalmente, à ideia de que “(...) um dos maiores obstáculos à implementação efetiva da ideia de aprendizagem ao longo da vida é, paradoxalmente, o sistema de educação tradicional. Quando afirmo ‘tradicional’, estou me referindo, por exemplo, à recusa desse sistema em ouvir e trabalhar a partir de sonhos e realidades dos aprendizes (...). Quando a educação formal, um dos principais berços das nossas crenças educacionais ao longo da vida, nos diz que não podemos sonhar, o lifelong learning fica comprometido. Afinal, qual é a razão de aprender se não posso realizar aquilo que almejo? Se não posso seguir o fio das minhas curiosidades? Se não posso construir a minha própria realidade e contribuir para enriquecer a do outro?”.
Assim, se um dos principais gatilhos para que a aprendizagem contínua ocorra é justamente a curiosidade e a realização de sonhos, é imprescindível que as pessoas aprendam a ser autônomas nesse processo. Aprender com base apenas nas direções dadas por um curso da educação formal tira essa autonomia do jogo e nos coloca continuamente na posição passiva diante da construção do conhecimento.
“A educação tradicional contribui para introjetar crenças que restringem a capacidade das pessoas de dirigirem o próprio aprendizado. Duas dessas crenças são “não sou capaz de aprender sem um professor ou um mestre” e “aprender é igual a ser ensinado”. Ainda que o mestre e o ensino possam ser úteis para gerar aprendizagem — especialmente quando solicitados —, eles estão longe de ser os únicos caminhos para aprender”, diz Alex.
Isso não significa deixar a educação formal para trás, mas sim de saber usá-la como um componente de um todo muito maior, como uma estratégia para alcançar um fim, e não como o fim por si.
Para Alex, “quando vemos alguém autêntico, dono de si e com coragem e resiliência para criar novas soluções adequadas às necessidades do mundo, é provável que essa pessoa seja um aprendiz autodirigido — o que não significa dizer que ele ou ela aprendeu tudo informalmente, mas sim que tomou as rédeas de sua própria educação”.
Afinal, como é possível fazer com que as empresas se tornem organizações que “respiram” a cultura de aprendizado contínuo?
Segundo Alex, a área de gestão de pessoas da Sky do Reino Unido aponta que os setores de Treinamento & Desenvolvimento das empresas devem almejar atingir 4 Rs em seus programas de capacitação, que são:
- Relacionamentos: conhecer e conectar-se com outras pessoas da empresa;
- Recuperação: sair da rotina e fazer coisas diferentes e prazerosas;
- Reconhecimento: obtenção de certificado de conclusão do curso e reconhecimento da empresa e dos pares pelo atingimento;
- Recompensa: valor da conquista de ser selecionado para o treinamento e a recompensa pelo trabalho realizado.
Normalmente, esses Rs são percebidos como tendo valor quando estão associados à educação formal, à estrutura tradicional de curso e certificado - o que atrapalha no desenvolvimento de uma cultura de aprendizagem autônoma e autodirigida.
Assim, para Alex, “o trabalho de construção de uma cultura de aprendizagem sólida é semelhante ao trabalho de um escultor. É preciso ‘revelar a obra’ que há dentro do bloco de mármore, ou seja, é necessário desbloquear o potencial de aprendizagem que já existe nas pessoas e nas relações tecidas dentro da organização”.
Nesse caso, os excessos a que o autor se refere são essas pré-concepções que dificultam que as pessoas enxerguem valor nas modalidades de aprendizagem autodirigida. Segundo ele, são duas as principais modalidades:
- “Aprendizagem autodirigida individual: quando, diante de um problema, desafio, oportunidade ou interesse, criamos movimentos e jornadas para aprofundar saberes e/ou criar novos projetos.”
- “Aprendizagem autodirigida social: quando aproveitamos o fato de estarmos conectados a diferentes redes de pessoas para beber de suas experiências, visões, conhecimentos e curadorias; e também quando criamos intencionalmente ações coletivas — encontros, grupos, comunidades — com o objetivo de aprender.”
Assim, mudar esse cenário passa, necessariamente, por rever o que Alex chama de “modelo dominante” na educação, que “não abre espaço para que cada pessoa investigue o mundo a partir de suas paixões e descubra/explore suas áreas de excelência”.
“As organizações repetem esse mesmo padrão, mas talvez com ainda mais intensidade, primeiro porque as pessoas já chegam moldadas a partir das crenças de educação que receberam ao longo da vida, e segundo porque há a instalação de novas crenças como ‘o importante é mostrar resultado’, ‘vou ser punido se tentar algo novo’ e ‘melhor não perguntar, porque senão todo mundo vai saber que eu não sei’.”
Isso significa que uma empresa que almeja se tornar uma organização que estimula o aprendizado, que busca inovação e que busca criar condições para investir na aprendizagem contínua de seus colaboradores deve romper definitivamente com essas pré-concepções a respeito das políticas de T&D.
Segundo Alex, em vez de apenas promover treinamentos e controle de listas de presença, o setor responsável por T&D deve se preocupar com o que ele chama de “3 Cs”: cultura, contexto e curadoria.
“Cultura é o ‘ar que se respira’ na organização, ou o seu conjunto de hábitos coletivos. Muito diferente do que se vê em missão, visão e valores, a cultura deve ser intencionalmente influenciada para promover os valores e hábitos da aprendizagem a todo o momento, em todo o lugar”, explica Alex.
“Contexto” diz respeito aos contextos profissionais que estimulam, de forma poderosa, a aprendizagem. Por fim, “curadoria é a atividade fundamental em um cenário de excesso e poluição informacional. O RH deve (...) também apoiar os colaboradores para que se tornem bons curadores de conhecimento”, diz Alex.
De acordo com Alex, o processo de se tornar um lifelong learner está muito vinculado à criação de um hábito saudável de aprendizagem - o que significa reservar tempo para consolidá-lo.
“É muito importante que a pessoa aprenda a blindar seu tempo para aprender algo que seja significativo em seu próprio contexto. A partir disso, ela cria o próprio percurso de aprendizagem autodirigida. Ela separa um tempo, diário ou semanal, para se dedicar a esse aprendizado, independentemente de estar vinculado a um curso ou iniciativa de educação formal”, explica.
Não se trata de um caminho dos mais fáceis. “É o mesmo problema de quando começamos a malhar: sentimos dor em partes do corpo que nem sabíamos que existiam”, e isso faz com que a tendência a desistir seja maior. Entretanto, o equilíbrio é fundamental para que o hábito não se perca. “O equilíbrio tem a ver com aprender de uma maneira saudável e ‘picada’ ao longo do tempo. Trata-se de fatiar o processo, entender que não é necessário fazer muito de uma vez, mas sim com uma boa frequência. Essa evolução pode acontecer devagar.”
Para ilustrar esse processo, Alex traz um exemplo. “O primeiro livro que eu escrevi, que chama ‘Kit Educação Fora da Caixa’, foi escrito totalmente no meu blog. Eu escrevia um post por semana e, a partir desses posts, publicados ao longo de três ou quatro meses, eu vi que tinha material para escrever um livro. É um exemplo que mostra a materialização daquele ditado: de grão em grão a galinha enche o papo”, explica.
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