Há dez anos, quando em suas palestras o professor e autor Alf Rehn falava sobre inovação, o que se via eram líderes e executivos ouvindo com atenção e genuíno entusiasmo. Atualmente, assim que algum palestrante pronuncia a palavra “inovação”, as pessoas começam a ficar inquietas, afundam-se em seus assentos e suspiram de exasperação. Eles já estão cansados até de ouvir a palavra.
Jargões corporativos como “revolucionário”, “disruptivo” e “inovador” são comumente utilizados para produtos como o Pop Tarts da Kellogg, ou mesmo para pequenas atualizações em certos veículos automotivos. O vocabulário da mudança radical, da verdadeira inovação, foi confiscado para propósitos frequentemente pouco inspiradores, e talvez este seja o problema, a banalização e uso excessivo dos termos correlatos à inovação.
Independente de terminologias ou do apetite das pessoas por inovação, o cenário mundial corporativo vem se transformando progressivamente na tentativa de se manter inovador, e isso não diz respeito somente aos avanços tecnológicos, cada dia mais, a diversidade e inovação se fazem essenciais ao ambiente corporativo.
Em um primeiro momento esta ideia pode não parecer óbvia. Por isso, é preciso ter em mente que inovação não é algo tão somente processual, mas algo maior, algo que deve fazer parte da cultura organizacional para que uma organização se mantenha na vanguarda.
Dadas as primeiras considerações, o que notamos ultimamente é o fato de muitas organizações estarem valorizando grupos minoritários e demonstrando publicamente maior inclusão em suas ações, como por exemplo, com apoio para um maior percentual de mulheres na liderança, inclusão de minorias étnicas, LGBTQI+, idosos, PCDs, etc. O grande problema é que vantagem competitiva não se constrói apenas com estratégias de marketing, com intuito de melhorar a imagem e expandir o público consumidor – ela deve ser real! O maior benefício em realmente incluir fomentando a diversidade, está na capacidade de pensar a frente, no longo prazo, considerando que a diferença diversifica os pensamentos e é daí que surgem as grandes ideias.
Desse modo, todo e qualquer objetivo estratégico deve considerar, antes de mais nada, o propósito social, pois diversidade e inovação estão estritamente conectadas.
No âmbito acadêmico norte-americano, pesquisadores da Stanford University analisaram dados que demonstram a presença de uma contradição bastante conhecida no mundo corporativo, o paradoxo da diversidade e inovação. O fenômeno combina duas realidades que soam incoerentes. De um lado, há evidências de que ambientes onde atuam pessoas de origens e experiências distintas, são mais propensos a produzir conhecimento inovativo e de impacto. Ao mesmo tempo, os grupos sub-representados que garantem maior pluralidade e capacidade inovativa, como os compostos por mulheres e minorias étnicas, pouco se beneficiam dos ganhos que produzem, e geralmente não conseguem alcançar o mesmo sucesso na carreira, quando comparados aos grupos intitulados “majoritários”, como os de homens brancos.
Em artigo publicado na renomada revista Proceedings of the National Academy of Sciences, diferentes autores observaram que pesquisadores pertencentes a grupos com baixa representação no âmbito científico apresentam ideias inovadoras com maior frequência quando comparados aos seus colegas vinculados a “grupos majoritários”. O problema é que muitas vezes suas ideias sofrem uma espécie de desprestígio e até mesmo menosprezo, não os possibilitando desfrutar de reconhecimento equivalente ao das apresentadas por grupos com maior representação no que poderíamos chamar de alta academia norte-americana. “Descobrimos um padrão problemático: as minorias demonstram talento especial para produzir novidades científicas, mas suas descobertas têm menos impacto”, também ressaltou o sociólogo, Bas Hofstra, em seu texto publicado pela revista Nature.
É importante, mais uma vez, salientar que a inovação não se remete exclusivamente à tecnologia e suas ferramentas. Com toda certeza, esses fatores são importantes para a vantagem competitiva, mas o pensamento por trás é o fator de desenvolvimento. Dessa forma, quanto mais indivíduos com distintas experiências compondo uma equipe, maior a probabilidade de ideias distintas. Desse modo, é possível chegar a um resultado nunca considerado antes e que traga uma bagagem riquíssima consigo.
A Accenture, em seu relatório Getting to Equal 2019: Creating a Culture That Drives Innovation, comprova isso. Segundo a mesma, organizações que contam com diversidade e inclusão em seus times são, pelo menos, 11 vezes mais inovadoras, e seus colaboradores são até 6 vezes mais criativos do que os dos concorrentes.
Assim, podemos tomar como veras o fato de que a diversidade e a inovação são vantagens competitivas para as organizações, então não há novidade alguma no argumento de que abrir espaços para as diferenças aumenta em até 15% a lucratividade de uma empresa, como apontado por recente pesquisa da McKinsey & Company.
Dessa forma, as organizações que almejam a verdadeira inovação devem buscar equipes diversas, atraindo A-players de diferentes perfis e trajetórias, e preparando-os para o futuro que já chegou!
Mas como fazer isso?
O colaborador médio se inspira na liderança, e isso é natural. Afinal, a ascensão na carreira é um objetivo, e para isso é necessário atenção aos caminhos que te levam ao sucesso.
Assim, podemos supor que uma boa prática seria a de manter o grupo da alta gerência o mais diversificado possível, servindo de inspiração aos demais colaboradores e mostrando que, independentemente de etnia, gênero ou qualquer outro contexto social, naquela organização, todos têm a mesma possibilidade de alcançar o sucesso.
O livro Brotopia: Breaking Up the Boy’s Club Of Silicon Valley, escrito pela jornalista Emily Chang, também oferece uma visão reveladora do mundo da inovação, e bem similar ao até aqui exposto. O livro resume inovação como um mundo de homens, ou, mais precisamente, um mundo dos homens brancos.
Steve Jobs é a imagem arquetípica do grande inovador. Se não ele, podemos citar Elon Musk ou Bill Gates. Muitos inovadores que dominam nossa consciência coletiva são homens brancos, e assim como podemos facilmente projetar Steve Jobs com seu jeans e camiseta preta como o ícone da inovação, deveríamos ser igualmente capazes de pensar em Hedy Lamarr – a atriz e inventora austro-americana, que criou tecnologias que fizeram possíveis o Bluetooth e WiFi. Ou mesmo Gertrude Belle Elion, que criou o primeiro tratamento para a leucemia, o primeiro medicamento de sucesso para o tratamento da herpes, e o primeiro medicamento para tratar e prevenir o HIV. Mas a maioria das pessoas, infelizmente, nunca ouviram falar nesses nomes.
Como em tantos outros aspectos de nossa sociedade, o mundo da inovação é prejudicado pela
desigualdade econômica. Sem a segurança e as redes de suporte que vêm com o privilégio social, as pessoas têm muito menos probabilidade de se lançar à inovação. Até mesmo Steve Jobs, que para os padrões americanos não tinha uma origem que o considera-se pertencente à “classe alta”, pôde frequentar uma faculdade cara como Stanford porque seus pais adotivos tomaram grandes riscos financeiros para que ele lá estudasse. Mas nem todos têm esta possibilidade.
A falta de diversidade na inovação significa que as soluções geralmente refletem os problemas das pessoas que as apresentam. Se as pessoas que são promovidas e financiadas para inovar são, principalmente, homens brancos de classe alta, então os frutos de sua inovação provavelmente refletirão seus interesses.
Considere, por exemplo, quantos aplicativos existem para entrega de comida. Ou olhe para o mundo dos games. Há uma cornucópia estonteante de jogos e compras de periféricos para escolher. Mas se seus interesses vão além da entrega de pizza em sua casa e jogar vídeo game até tarde da noite, com certeza suas necessidades não são tão bem atendidas assim. De qualquer forma, tal fato não obrigatoriamente condiciona aqueles que não são “homens brancos de classe alta” a não poderem desfrutar dessas coisas, muitos obviamente gostam, trago aqui apenas uma provocação no sentido de demonstrar que muitas inovações refletem, desordenadamente, interesses muito particulares ou específicos a uma classe social privilegiada.
Por fim, devido a essa falta de diversidade, os problemas enfrentados são limitados, e tal cenário dificilmente beneficiará as organizações, já que a inovação é um jogo de números, pois quanto maior a gama de ideias diferentes geradas, maior a probabilidade de algumas delas terem sucesso. Em suma, se nossos inovadores não fazem parte de um grupo diverso, e pertencem, em sua maioria, a uma classe econômica privilegiada, como podemos esperar que eles lidem com os problemas mais urgentes do mundo?
Marcelo Palhares Festa, Mestre em Administração, Global HRBP da Gympass, especialista em cultura corporativa, desenvolvimento de líderes e recursos humanos.