O setor educacional é um dos que menos se digitalizou nos dias de hoje – cerca de 2%. Se compararmos com os 35%1 (fonte: Ibis Capital) da indústria de conteúdo (música, vídeo…) por exemplo, que sofreram grandes mudanças nas últimas décadas, vemos o quanto ele tem de potencial e precisa se transformar. Sua digitalização facilitará a disseminação da educação e do treinamento em escala. Permitirá o surgimento de novas formas de aprendizagem, personalizadas, mais efetivas para o aluno progredir e para a retenção dos conhecimentos.
Nas empresas também temos um grande movimento de transformação digital. Seu impacto nas áreas de gestão e desenvolvimento de pessoas, e principalmente no treinamento corporativo, já é uma realidade.
Vimos por exemplo como a Unilever tem utilizado tecnologias de AI, gamificação e neurociência em seu processo de atração e seleção, automatizando boa parte do processo e entregando mais valor para profissionais e para a empresa.
Vimos também como a Boeing, em parceria com a NASA, o MITxPro e a edX, criaram um programa de treinamento online para funcionários da empresa conectando conhecimento acadêmico e prático.
“O futuro das Instituições de ensino superior será estar presente na vida das pessoas como as empresas: Google, Amazon e Apple. Para isso é preciso estar presente em todo o ecossistema de aprendizagem e personalizar a experiência”
Temos de olhar para o treinamento corporativo como olhamos para o desenvolvimento de softwares hoje em dia, com uma forma ágil de desenvolvimento, adaptação e design.Vimos com o CTO da Evernote como as empresas tem investido em tecnologias como machine learning e AI para aumentar a produtividade no trabalho, visto que ainda há muito o que otimizar na utilização de dados e informação – pessoas gastam cerca de 2,5 horas por dia buscando por informações no trabalho.
Departamentos no trabalho que podem ser otimizados com AI: RH, Operações, P&D, Vendas e Marketing, Jurídico e Financeiro
2. A TRANFORMAÇÃO DO COMPORTAMENTO
DAS PESSOAS E SEU IMPACTO NA APRENDIZAGEM
Mais do que a digitalização de escolas e empresas, a principal mudança no mundo atual é a digitalização da vida das pessoas como um todo, o que tem provocado mudanças de comportamento e estas mudanças impactam no processo de aprendizagem.
Segundo a equipe do Facebook IQ, as 5 mudanças no comportamento das pessoas até 2020 são identidades multiculturais, realidades física e digital misturadas, experiência personalizada de consumo, sempre conectados e cada vez mais somente mobile, e a redefinição de pertencimento em comunidade.
A popularização dos smartphones tem contribuído muito para estas mudanças, que em um futuro próximo tendem a aumentar.
“Até 2020 mais 3 Bilhões de pessoas terão acesso a smartphones. No Brasil já somos mais de 62% conectados por dispositivos móveis”
Segundo Steven Pinker, não só estamos mais conectados como estamos ficando mais inteligentes.
Estamos acessando mais informações, nos relacionando com mais pessoas e mais conectados ao mundo, o que reflete no desenvolvimento intelectual individual.
Ray Kurzweil defende que as tecnologias de AI surgem para incrementar ainda mais esta melhoria da inteligência humana, individual e coletiva. Segundo o Diretor de Engenharia do Google, as máquinas não irão nos substituir, mas nos melhorar. Tarefas simples (feitas em menos de 1s) e repetitivas que realizamos no trabalho serão feitas por robôs – físicos e digitais.
3. PLATAFORMAS INTELIGENTES:
AI E SEU IMPACTO NA EDUCAÇÃO
Segundo Andrew Ng, prof. de Stanford e co-fundador da Coursera, Inteligência Artificial (AI) é a nova eletricidade. E não à toa, AI esteve presente em praticamente todas as trilhas. Como AI irá impactar o recrutamento? Como AI irá impactar o ensino superior? Como AI irá impactar o trabalho? Como AI irá mudar o futuro da criatividade? Como AI irá impactar a Educação? Todos estes aspectos foram discutidos.
AI já está impactando profundamente os negócios. Seja utilizada em sistemas de recomendação personalizados, ajudando a diagnosticar potenciais doenças ou em carros autônomos.
Segundo Elodie Mailliet da GettyImages, um dos maiores bancos de imagens do mundo, a utilização de machine learning e AI aplicados na identificação e curadoria de imagens de sua plataforma já consegue lhes oferecer insights de comportamento com base nos dados de fotografias publicadas em todo o mundo, como por exemplo o empoderamento feminino ou a fluidez de gênero.
Segundo Laura Granka e Hector Ouilhet do Google, as tecnologias de AI utilizadas nas interfaces de voz mudam a forma com que as pessoas se engajam com as novas tecnologias. E em breve não só voz, mas as AIs passarão a identificar gestos de mãos, tom de voz, expressão facial, tornando a comunicação através de plataformas muito mais eficiente.
Estamos coletando mais dados. E os tipos de input estão mudando. Na educação, o primeiro passo para utilização de AIs é coletar dados de alunos e instrutores.
Haverá grande mudança na forma de avaliar o aluno e no processo de aprendizagem ao vivo, on time, e na utilização destes dados e feedbacks para melhorar a forma como os alunos aprendem e se desenvolvem.
Já no longo prazo, esta coleta de dados, analisados de forma inteligente, nos permitirá uma avaliação da aprendizagem e uma capacidade de predição de sucesso no mercado de trabalho.
“Quanto mais compreendemos as dimensões cognitivas do aluno, mais podemos customizar a experiência de aprendizagem para que ela seja bem-sucedida”
Para Lou Pugliese da Arizona State University e Stephen Laster da McGraw Hill Education, que já experimentam AI em seus projetos educacionais, esta coleta de dados e a utilização de tecnologias artificiais de inteligência são um pouco desumanizantes. Precisamos começar a dar significado a estes dados, criando visualizações mais conectadas às necessidades humanas. Como nos exemplos da indústria automobilística e de saúde, na educação também teremos um processo de aceitação do uso destas novas tecnologias.
As diferentes visões sobre a evolução das AIs mostram este momento de mudança que vivemos, de entendimento e aceitação desta nova tecnologia. Alguns, como o CEO da Tesla e surpresa do SXSW Elon Musk, afirmam que as AIs representam um perigo maior do que bombas atômicas. Outros, como Ray Kurzweil ou Steven Pinker, são mais otimistas.
Eu compartilho do otimismo. AI é mais uma ferramenta. Como o fogo. Pode ser usada para cozinhar sua comida, ou para incendiar as ruas. E, como humanos, em geral utilizamos nossas ferramentas para melhorar a vida.
Segundo Tim O’Reilly, gradualmente, então de repente, estamos criando novas parcerias entre humanos e máquinas, inteligências artificiais e sistemas de algoritmos estão por toda parte, e o mundo está se tornando digital.
4. CONTEÚDO DIGITAL:
DE E-BOOKS A EXPERIÊNCIAS DE REALIDADE MISTURADA (VR/AR)
A experiência de marca mais comentada no SXSW foi a ação de ativação feita para a série da HBO Westworld, onde o mundo virtual de velho oeste foi recriado nas imediações da cidade de Austin. Na série, este parque virtual é habitado por personagens digitais, Inteligências Artificiais, que reagem aos visitantes humanos reais de forma programada. Esta ideia de misturar realidades virtuais com inteligências artificiais é poderosa na ficção.
A convergência entre as tecnologias de realidade virtual e aumentada, com inteligências artificiais, foi discutida na apresentação da Maya Georgieva da The New School. Segundo ela, estamos diante de um novo tipo de storytelling, onde a imersão está na presença, na forma como respondemos, reagimos, e não simplesmente assistirmos de forma passiva ao conteúdo.
Estes são novos tipos de experiências audiovisuais que começarão a ser incorporadas em programas educacionais. Hoje, games como Minecraft já exploram alguns destes conceitos, tornando o usuário parte da construção do mundo virtual e de suas histórias. Alunos como criadores.
“The distinction between VR and AR will vanish – the real and virtual worlds will just mix anda match throughout the day, acoording to our needs” – Michael Abrash – Chief Scientist, Oculus VR
Estes são novos tipos de experiências audiovisuais que começarão a ser incorporadas em programas educacionais. Hoje, games como Minecraft já exploram alguns destes conceitos, tornando o usuário parte da construção do mundo virtual e de suas histórias. Alunos como criadores.
Outro destaque do SXSW foram as inúmeras novas possibilidade de utilização de realidade aumentada (AR) em conteúdos educacionais. Pudemos ver esta tecnologia em materiais didáticos físicos, como decks de cartas que ativam conteúdos digitais, livros físicos educacionais também com conteúdos digitais integrados, como vídeos, animações e gráficos. Também vimos esta tecnologia em experiências totalmente digitais, oferecendo conteúdos de anatomia, física, química, simulados de forma digital.
Minha opinião sobre VR e AR é a de que serão rapidamente integrados aos programas educacionais a partir do momento que resolvermos a questão de popularização dos dispositivos para utilizá-las. Eles precisam ser realmente móveis, fáceis de usar, ergonômicos e esteticamente agradáveis – não vamos carregar os óculos de VR atuais, e seus custos ainda os tornam inacessíveis para a maior parte da população.
Já outras mídias digitais, principalmente vídeos, hoje já são o principal meio de consumo de conteúdo educacional. Sua capacidade de atrair e reter a atenção dos alunos se reforça pelo comportamento das pessoas na internet.
Segundo a equipe do Facebook IQ, as pessoas olham 5x mais para conteúdos em vídeo do que conteúdos estáticos nos Facebook e Instagram. Outro dado interessante do Facebook é a popularização dos vídeos ao vivo. 1 de cada 5 vídeos na plataforma são transmissões ao vivo, e estas lives geram 10 vezes mais interações e comentários.
No Youtube, segundo sua CEO Susan Wojcicki, somente de conteúdos educacionais consumidos, são 1 bilhão de views diários. Todo mundo tem uma história de algo que aprendeu na plataforma: como fazer um nó de gravata, consertar um eletrodoméstico, fazer uma receita, aprender um esporte ou hobbie.
Na educação, todas as principais plataformas de aprendizagem digital já se baseiam em conteúdos em vídeo. Portanto, saber lidar com esta mídia é fundamental e todos precisamos dominar este veículo. Tanto professores, que cada vez mais precisam desenvolver a habilidade de falar para uma câmera, quanto empresas de edtech e educação corporativa.
5. UPSKILLING E INOVAÇÃO NO TRABALHO
Um funcionário que entra no escritório da Baidu em Beijing já não precisa de seu crachá. Sua entrada é autorizada por identificação facial. Muito em breve já imagino toda estação de trabalho de uma empresa com um dispositivo como uma Alexa, para lhe auxiliar nas tarefas rotineiras de trabalho – como encontrar
um arquivo, agendar uma reunião, enviar um e-mail – apenas por interface de voz. O trabalho no futuro será bem diferente do que conhecemos, e já começamos a visualizar este cenário adiante.
Uma das principais discussões do SXSW foi a respeito das habilidades necessárias para navegar neste novo contexto de tecnologias, realidades misturadas, flexibilidade, personalização, superconexão. Como educar as novas gerações para trabalhos que ainda não existem? Como lidar com a geração Z, que está entrando no ensino superior este ano, e não conheceu o mundo sem internet? Como desenvolver profissionais em cenários de transformação constante? Quais habilidades precisamos desenvolver para este mundo de realidades física e digital cada vez mais misturadas?
Dois pontos de confluência: skills digitais e soft skills; foram citados transversalmente em diversos painéis e apresentações.
Skills Digitais para poder interagir no mundo cada vez mais digital. Habilidades como Cidadania Digital, Direitos Digitais (Liberdade de expressão nas redes, Propriedade intelectual e plágio, Privacidade) e Digital Literacy (Pensamento computacional, Criação de Conteúdo e Pensamento Crítico) são base para um profissional do futuro.
Soft Skills para poder interagir com pessoas, em ecossistemas de trabalho cada vez mais conectados, colaborativos e flexíveis. Habilidades como Comunicação nos Meios Digitais, Co-criação e Trabalho em Equipe, Poder de Influência e Inteligência Social são importantes principalmente para as novas gerações de profissionais.
Outro ponto importante foi o tema Comportamento Humano nos Meios Digitais. Numa conversa entre JP Connolly e Manoush Zomorodi sobre Habilidades Humanas para Nativos Digitais, o comportamento que adotamos nas redes sociais e nos aplicativos para smartphones foi discutido. Por um lado estes novos ambientes digitais são projetados para reter a atenção dos usuários e promover interações, muitas vezes repetitivas (quando ficamos dando scroll em timelines infinitas, ou clicando em stories e fotos dos amigos no Instagram – numa média de 30 min diários segundo a plataforma). Por outro, começa a haver uma preocupação com o aumento de casos de ansiedade e depressão, que decorrem destes novos hábitos digitais que desenvolvemos. As pessoas começam a se preocupar com um entendimento maior do comportamento nos ambientes digitais e com uma mudança de hábitos para se sentirem melhor.
Carissa Carter, da Stanford d.school, trouxe uma visão sobre os blocos fundamentais do processo de resolução de problemas de design, que nada mais são do que as habilidades básicas para resolução de problemas no trabalho, que ela chama de Intangíveis. Habilidades como Mover entre o Abstrato e o Concreto, Comunicar de forma Deliberada, Projetar sua forma de trabalho, e Navegar pela Ambiguidade, são fundamentais para criar projetos com o mindset de designer, e muito úteis no mundo volátil, incerto, complexo e ambíguo em que vivemos. Além desta apresentação no SXSW, ela escreveu um artigo falando sobre estas habilidades que resume bem sua apresentação.
John Maeda, outro designer com influência internacional, trouxe este ano em seu report sobre Design na Tecnologia as dez habilidades mais valiosas de design para o futuro: 1. Adaptabilidade para as mudanças sociais e de tecnologia, 2. Empatia, 3. Habilidades de Comunicação, 4. Fazer boas perguntas, 5. Habilidades cross-funcionais, 6. Storytelling, 7. Habilidades cross-culturais, 8. Observação e escuta, 9. Psicologia e comportamento humano, 10. Gestão da complexidade. Vejam a preponderância das soft skills.
Para fechar o tema de upskilling, acho importante destacar a apresentação da Sandy Carter, VP da Amazon Web Services, sobre como fomentar a inovação nas empresas. Os três drivers apresentados por ela como 3 superpoderes de inovação que todos temos mas não usamos: Super inteligência, Super Velocidade e Super Sinergia; são um conjunto de habilidades e competências utilizadas de forma a produzir impacto nos resultados das organizações através de inovação em produto, excelência operacional, experiência do cliente e novos modelos de negócio.
Resumindo:
ACESSIBILIDADE, PERSONALIZAÇÃO E ENGAJAMENTO
A utilização de novas tecnologias e metodologias na educação, esta digitalização pela qual o setor educacional está passando, a meu ver, vem para resolver três necessidades das pessoas: maior acessibilidade, personalização da experiência e aumento do engajamento para potencialização dos resultados de aprendizagem. Portanto, sempre que vejo um novo produto de edtech, ou sempre que nos envolvemos na concepção de uma nova solução, eu recomendo fazer estas três perguntas
- Isto vai tornar o produto, serviço, experiência educacional, acessível a mais pessoas?
- Isto vai tornar a experiência de aprendizagem do aluno mais personalizada? Adequada a seu perfil e a suas necessidades individuais?
- Isto vai fazer com que o aluno se envolva mais no processo de aprendizagem (adotando um comportamento mais ativo, construtivo, colaborativo)?
Só existe uma certeza: tudo está mudando, e mudando cada vez mais rápido. E nós, como Edtechs, precisamos acelerar o processo de transformação da educação.
UMA ÚLTIMA HISTÓRIA SOBRE PROPÓSITO
Fiz meu check-out do hotel. Pedi um Uber por volta do meio dia, para seguir a caminho do aeroporto, e de volta ao Brasil. No trajeto de carro, como de costume, fui conversando com o motorista Jamil. Ele perguntou do Brasil. Falamos da cidade de Austin, de futebol e de football. Então, ele me disse que era afegão. Perguntei sua história e ele me contou que era tradutor do exército americano e trabalhou em zonas de guerra. Por possuir esta habilidade – conhecer a língua inglesa – e ter exercido esta função, havia conseguido visto para emigrar para os Estados Unidos com sua família. Me contou que estuda medicina, e que depois que formar, assim que puder, quer voltar para o Afeganistão. Segundo ele, o país vai precisar de pessoas educadas, instruídas, para sua longa reconstrução.
Voando para o Brasil fiquei pensando na sorte de escutar este tipo de história. E no significado, no propósito, de trabalhar com educação.